23 de abr. de 2015

Carta a um futuro analisando

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Recebi a sua carta. Um pedido de ajuda, será? Penso que também pode ser algo da ordem da dúvida: confiar ou não confiar? Sim, este é um aspecto importante, mas que vai sendo costurado aos poucos a partir do que podemos chamar de disposição subjetiva. O desejo de entender algo é um impulso para iniciar uma análise. Você deseja algo? Se sim, este é um com caminho. Se não, deixemos para quando houver a disposição.

Você enviou um pingente junto com sua carta e não disse nada sobre o mesmo, mas me pergunto: o que refletir sobre um par de asas douradas? Asas, possuem pássaros e dizem, os anjos. Não sou nenhum dos dois.

Em seu escrito também perguntou sobre as minhas características de caráter, para assim, saber se sou uma profissional capacitada para exercer esta atuação.

Vamos lá:

A minha história com a psicologia e psicanálise, iniciou antes mesmo que eu chegasse à universidade e conhecesse teoria e prática da atuação. Iniciou através da ordem do desejo, da subjetividade, que insistia para que eu buscasse algo mais profundo existente no ser humano. Assim foi e é, a minha trajetória, que só me impulsiona a aprender um pouco mais a cada dia e dividir o conhecimento adquirido de maneiras saudáveis e funcionais.

Ouço as pessoas com paciência. No ônibus, na fila do banco, no supermercado. E gosto de ser assim. As palavras pedem espaço e eu as recebo suave e delicadamente. Vou citar um exemplo: certa vez, visitei uma instituição onde realizei um trabalho de orientação aos cuidadores. Em meio à conversa, apontaram um garoto de 4 anos que corria desorganizadamente no local. Pegava um carrinho de bebê e repetidas vezes empurrava contra a parede, subia em cima de uma cadeira e gritava quando assim desejasse, etc. Sozinho. As outras crianças estavam fazendo atividades dentro das respectivas salas, enquanto ele, era o rei. Aproximei-me e pedi para guardar o carrinho e a cadeira. Ele se jogou no chão, gritou e me mordeu. Mas não foi um mordida qualquer. Até hoje tenho a marca desta memória. Para completar, enquanto se debatia, continuou a sua recusa diante da minha presença cuspindo em mim repetidas vezes, e eu, segurando seus braços, só olhava para ele. Alguns minutos se passaram e ele parou. Pediu a chupeta e deitou no chão, como se quisesse descansar e por um tempo foi o que fez. Trago este exemplo para dizer que todos - pequenos e grandes - vamos nos comunicar de diferentes jeitos e é preciso traduzir com tranquilidade. Eu escolho traduzir pessoas, escutar vidas tragicômicas e ainda me surpreender cada vez que um paciente me conta um segredo.


Gosto de algo mais, além da própria atuação de psicóloga. E tudo que faço além, me confere uma subjetividade interessante para que eu exerça o ofício com necessário apreço ao conhecimento: vou à praia, à cafés e livrarias, também escrevo e sim, me alimento. Portanto, faço parte do grupo humano e real.

Não acredito na cura propriamente dita, mas na organização das potencialidades e da normalidade que é individual a cada sujeito. Ouço, faço silêncio, falo, faço barulho e suporto as mesmas reações vindas do outro, exceto sujeitos que não querem querer. Não precisa estar completamente pronto para iniciar o processo de terapia, mas ter algum vir-a-ser-de-desejo para que possamos continuar. Enfim, seja como for, não precisará de armas aqui.

Ah, e por fim, antes de ser borboleta, todos precisamos ser lagartas.
Que assim seja!

Estimo uma boa reflexão!
Psicóloga Mayara Almeida

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